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RUGBY, VOCÊ CONHECE ESSE ESPORTE? [ENTREVISTA COM RONALDO BRITO]

Hoje a entrevista é com Ronaldo Brito, formado em educação física pela UFPA, Policial Militar, e que em seu tempo livre faz um trabalho social de incentivo ao esporte no Lokomotiva Rugby, time que fundou e treina desde 2014, e que até então é o único time de rugby em Castanhal. Na matéria você conhecerá a história e os fundamentos desse esporte que tem ganhado cada vez mais espaço no nosso país.

Castanhal News: Primeiramente Ronaldo, conte como você conheceu o rugby e resolveu trazer esse esporte para Castanhal?

Ronaldo: Eu conheci o rugby de um modo bastante curioso. Em 2006, quando eu morava em Belém, fiz amizade com um francês que morava lá, perto da casa de minha mãe, e ele sempre comprava uma revista para falantes de língua inglesa, a “News Week”. Então, ele me emprestava às vezes, numa dessas, eu vi uma matéria que dizia no título “Rugby, gentlemen’s game” (“Rugby, jogo dos cavalheiros”, em tradução livre).

Fiquei curioso por dois motivos: até então eu nunca havia ouvido falar em rugby, e olha que eu era estudante de língua inglesa, e claro, também da cultura; também o fato de nas fotos apresentadas na matéria só se via uns “ogros”. Então, não entendi logo o por quê de aquele esporte ter tal título. Eu acabei deixando pra lá mas ficou guardado na memória, então, em 2012 quando eu estava na UFPA, cursando agora educação física, houve uma oficina sobre o rugby e me inscrevi.

Quem veio ministrar aquela oficina foi o professor João bento, com o time do Acemira, de Belém. Foi então que fez sentido o título dado ao rugby, título que esse esporte ostenta e lhe faz jus. Me apaixonei de vez pelo esporte. Quando conheci o rugby de verdade, entendi suas regras e  seu potencial, foi então que tudo fez sentido e decidi transmitir à outras pessoas o que compõe o rugby, seus valores e etc.

Castanhal News: – E quais são os princípios do Rugby? É um esporte de muito contato físico, seria correto afirmar que é um esporte violento?

Ronaldo: O rugby tem seu manual, seu guia, e este é composto por um livro de regras as quais são revisadas constantemente, todos os anos, e junto a ele há uma carta aberta, endereçada a todos os que querem praticar o esporte.

A primeira coisa que se aprende ao iniciar o treinamento, é sobre o respeito, este é um princípio fundamental do rugby, um dos cinco mais importantes, junto com a integridade, paixão, solidariedade e a disciplina.

Eu sempre digo aos atletas, e com certeza todos os treinadores de rugby do mundo, que sem os seus princípios, o rugby não seria O rugby! Esses versam sobre a conduta, as quais sempre friso que devem ser mantidas a todo momento, que elas extrapolam as linhas do campo e são aplicáveis na vida diária e devem ser. Sempre após o jogo, costumamos conversar, sempre faço uma pequena ressalva sobre o que houve, se houve algo errado e elogio os pontos positivos. Antes de passar por uma etapa de profissionalização, achava-se que o rugby talvez perdesse seus princípios, mas nao foi o que aconteceu e após mudar da fase amadora para a fase profissional, os princípios foram ainda mais valorizados! Por exemplo, você não vê um jogador que não seja o capitão de cada equipe questionar um árbitro, nem sequer falar com um ou olhar com cara feia. Quando um árbitro diz algo a reposta que se tem é: “sim senhor!” Nem os próprios treinadores podem falar com árbitro a não ser que este requeira. Não se ouve alguém xingar a mãe do árbitro em momento algum, mesmo que ele erre. Não se vê xingamentos num jogo de rugby, à ninguém, antes, pelo contrário, se vê incentivo, apoio, sempre. A torcida não xinga ninguém, os torcedores de outros clubes ou mesmo de outros países rivais sentam-se lado a lado para torcer e não há a mínima falta de respeito. Preza-se muito os princípios. O que ensino é que os jogadores de outros times são uma família, assim como nós o somos, eles não são nossos inimigos, são jogadores rivais em outros times, que merecem o meu respeito, assim como o de todos. Ensino que devo respeitar a mim próprio antes de tudo, aos meus amigos do time, aos torcedores, aos árbitros, aos outros times e etc. Um fato bastante interessante é que no rugby algumas de suas tradições têm peso de lei, como por exemplo, o terceiro tempo, que é onde se lava a roupa suja e se comemora o jogo, todos bem e comem juntos, incluso os juízes. Também não pode ser omitida a formação que se faz após cada partida, o corredor, onde as equipes que jogaram se cumprimentam e aplaudem uma a outra, é tradição e é muito valorizada.

Quem vê pela primeira vez a um jogo de rugby, até chega a “se assustar’. Normalmente não “entende nada” e ao ver “tackles”, “scrums”, “rucks” e “hand-offs” pensa que se trata de um “jogo de bárbaros”. Mas, é apenas impressão, uma bem errônea acerca do rugby. O rugby é um esporte duro? Sim, assim como a vida é! Mas é um esporte onde se prima pelo “fair play”. Costuma-se dizer que “é um jogo de brutamontes, jogado por cavalheiros”, sim! E é isso mesmo. É um jogo de cavalheiros pois a todo instante se visa jogar de acordo com a regras. É um esporte que permite contato, mas veja bem, permite, sem no entanto se pode abusar do mesmo. Há regras sobre o tackle, há regras sobre o “scrum”, que é uma jogada típica, característica do rugby nenhum outro esporte tem algo igual ou que se se assemelhe a ela. Joga-se com energia, com paixão, a qual vem a ser um dos princípios do rugby, contudo, sem extrapolar certos limites, pois no rugby não se tolera jogo sujo, de forma alguma. Aqui a punição a quem viola as regras é severa e exemplar, podendo-se pegar meses, anos de afastamento ou até mesmo, dependendo da gravidade, ser expulso para sempre do rugby.

Por quê pensa-se que o rugby seja violento? Porque confunde-se agressividade com violência, são coisa totalmente diferentes, e intensidade com agressão. O rugby é um esporte de alta intensidade, especialmente a versão “seven-a-side” ou simplesmente “sevens”, que é a versão olímpica.

Castanhal News: Antes de falar sobre o time Lokomotiva Rugby. Explique-nos mais sobre quais são as principais características do rugby, e sua história.

Ronaldo: O rugby tem como característica suas jogadas, as quais são bastante diferentes das de outros esportes, sendo que a sua principal é que a bola só pode ser jogada para o lado ou para trás, nunca para a frente, no rugby isso é uma jogada ilegal. Tem também o fato curioso de abranger todos os tipos físicos, sendo que as pessoas mais pesadas ou gordinhas, serem as primeiras a serem escolhidas na hora de se formar uma equipe. É um esporte bastante inclusivo, penso que seja o mais inclusivo de todos, pois todos se encaixam no rugby, todos têm seu espaço de acordo com seu “peso”, altura, e capacidade.

A versão mais amplamente divulgada e aceita sobre a origem do rugby, ou football rugby, creio eu que esteja virando ou já virou lenda, é que em um momento em 1823, na cidade de Rugby, na Inglaterra, estavam jogando football (não o americano, pois este surgiu a partir do rugby, é uma corruptela do rugby) aconteceu que um dos times sofreu um gol, e um dos jogadores questionou e não estar satisfeito, pegou a bola com as mãos, sendo considerado um lance ilegal, foi, correu e fez o goal com as mãos, isso foi o começo de tudo, porém no momento não foi percebido, só um tempo depois que aquele lance daria início a uma brincadeira, que viraria jogo e por fim um esporte. O nome do lendário jogador é William Webb Ellis.

Diz na carta aberta do rugby acerca dele e de seu ato:

“A lenda de William Webb Ellis, ao qual se credita ter sido a primeira pessoa a pegar a bola com a mão e correr com ela, sobreviveu a incontáveis teorias revisionistas desde aquele dia, em 1823, no Colégio de Rugby. O fato de que o jogo tenha tido suas origens num ato de autêntico desafio é de alguma maneira significativo.”

                                                                                  World Rugby House, IRB, 2017.


O nosso time foi formado em 2014, quando eu ainda cursava educação física, após ter o meu “reencontro” ainda demorei a montar o time por vários motivos, tive que estudar mais esporte, tive que procurar aprender suas técnicas para poder repassar, além de ser difícil comprar o material, não é caro, apenas escasso. Só se comprava bolas de rugby pela internet, aqui no Pará não havia quem vendesse. Também tive dificuldade em encontrar pessoas a treinar, em encontrar um campo (ainda hoje não temos), treinamos em um campo no clube de policiais e bombeiros (apomibomp). Nosso primeiro treino foi num campo da AABB, vieram jogadores do Acemira e do Japuaçu, na época os dois únicos times do Pará.

Castanhal News: É comum as pessoas confundirem o rugby com o futbol americano? Quais as principais diferenças e semelhanças entre ambos?

Ronaldo: Sim, bastante! E confesso que isso deixa chateado qualquer rugbier! (risos) Até mesmo pessoas formadas em educação física pensam ser a mesma coisa, o que me deixa bastante perplexo. Lembro que certa vez fui falar com uns diretores sobre o esporte e minha intenção de fazer uma apresentação em um dado local, quando fui surpreendido pela pergunta de uma das professoras coordenadoras, se o rugby era uma luta (risos).

O rugby surgiu em 1823, é mais antigo que o futbol americano. Os americanos jogavam rugby até então e são ainda hoje os maiores vencedores campeões olímpicos de rugby, venceram duas vezes no século XX, quando ainda eram muito ligados á cultura inglesa, mas com o passar do tempo, tentando perder mais o vínculo, modificaram algumas regras e jogadas do rugby, criando assim o futbol americano, no formato que temos hoje. Devo confessar que até hoje não entendo muito bem o modo de jogar e de pontuar no futebol americano, essa ficarei devendo (risos). Sei que ambos usam bola oval, com a finalidade de ser portada, ambos chutam a bola, porém no rugby qualquer um pode chutar, a qualquer momento, entretanto no rugby há chutes que apenas um jogador específico o faz, um especialista em chutes, o “abertura”. No futebol americano a bola é arremessada para frente, no rugby isso não pode. Tackle só se pode aplicar entre as coxas e a cintura, nunca abaixo e nunca acima, especialmente. No rugby não se usa capacete, apenas protetor bucal e para alguns jogadores da primeira linha, o “scrum” cap, que é uma espécie de protetor de orelhas. Não usamos todo aquele equipamento que os americanos usam, até porque as nossas técnicas de jogada são diferentes, o que iria atrapalhar severamente o jogo. o Rugby tem ainda uma jogada muito característica, o “scrum”, nenhum outro esporte tem algo que se pareça, é um teste de técnica e força pura entre as equipes. O nosso “lineout” (lateral) é algo totalmente diferente do de outros esportes, no rugby nós fazemos o elevador” ou “torre”, na hora da cobrança.

A nossa pontuação é feita de vários modos, inclusive com vários tipos de chute e com isso valores diferentes. O maior objetivo é fazer try’s, que é conseguir ir até ao fim do campo adversário  e apoiar a bola no chão, no in goal. Vale 05 pontos.

Castanhal News: Certamente aqui no Brasil o rugby ainda não é muito conhecido, mas onde ele é mais praticado? Há disputa de ligas de rugby pelo mundo, além de outras competições?

Ronaldo: Sim, no Brasil ainda não é muito conhecido, apesar de ter sido trazido pelo mesmo homem que trouxe o outro football, de onde se “originou” o rugby, Charles Muller. Acontece que o football soccer por ser mais fácil e menos intenso, acabou sendo mais divulgado e aceito pela maioria do povo brasileiro. Apesar de ter ser um football, o rugby é totalmente diferente, é um esporte exigente, mas que compensa, o caso é que no Brasil a maioria das pessoas parece ter tendência a optar pelo mais fácil (risos). Mesmo assim, hoje o rugby no Brasil é mais aceito e praticado no sul e sudeste do país, lá acontecem mais ligas e têm mais times, os mais antigos e tradicionais do Brasil. Aqui no Pará ainda estamos “engatinhando”, o time mais antigo parece ter sido desfeito e não existir mais. O que tem mais tempo e que ainda está em atividade é o Acemira, de Belém. Em Belém há os times do Acemira, Japuaçu, Cabanos e o Godzila, em Marituba. O nosso foi formado em 2014.

O rugby é um esporte olímpico, é jogada a versão “sevens” ou “seven-a-side”, onde sete jogadores de cada time com direito a cinco reservas jogam dois tempos de quinze minutos, por um de descanso. No rugby XV, que é a versão jogada na copa do mundo, são quinze jogadores com oito reservas, dois tempos de quarenta minutos. Há várias competições, inclusive teve uma este fim de semana (Jan/2018) em Sidney, Austrália, o país do rugby, ou do Canguru do rugby. Na última olimpíada no Brasil, os campeões masculinos foram Fiji e as australianas no feminino. A última copa do mundo foi em 2015, na Inglaterra, com Nova Zelândia como campeã e a próxima será em 2019 no Japão, assim como também as olimpíadas. Aqui no Brasil temos a liga Super Oito, nosso “brasileirão de rugby”, onde é feita uma competição apenas entre os times do centro sul. Aqui no norte há as etapas do norte-nordeste de rugby seven, além da liga norte.

Castanhal News: Certo Ronaldo, agora falando sobre o Lokomotiva Rugby. Atualmente o LRC conta com quantos jogadores? Já participaram alguma de competição representando Castanhal?

Ronaldo: Atualmente (janeiro de 2018) temos cerca de trinta jogadores, homens e mulheres. Temos já o suficiente para montar dois times de seven masculino com todos os reservas e quase um time completo de moças. Já passaram por nosso campo de treino várias pessoas, de todos os tipos.

Sobre “representar Castanhal”, é algo bem interessante. Nós vamos jogar em outras cidades e por sermos ainda o único time da cidade, acabamos ficando conhecidos como “o time de Castanhal”, frisando que não era esta a nossa intenção, era apenas jogar, sem pretensão, mas como acabou ficando como nossa marca registrada, aceitamos. (risos) também é curioso que somos mais conhecidos fora de Castanhal do que aqui, talvez mesmo até mais fora do Pará, isso devido à nossas páginas nas redes sociais, incluso pessoas na Austrália, Yisrael, Inglaterra e USA, até já recebemos dois convites para irmos jogar uns torneios nos USA, porém, devido á falta de condições, pois não temos patrocinadores, apenas eu (risos), tivemos que dizer não. Seria mais que um sonho poder ir jogar fora do Brasil, ainda mais representar nossa cidade e nosso estado, talvez.

Quem quiser nos conhecer, treinar conosco, será bem-vindo, aliás, são todos bem-vindos! Nossos horários de treino são todas as terças e quintas às 19h na praça do estrela, na quadra de areia, a maior. Aos domingos vamos treinar no clube de PM’s (APOMIBOMP), no bairro Sta. Helena.

Castanhal News: Para finalizar, o que, na sua opinião, falta para que castanhal e o Pará abrace o rugby

Ronaldo: Creio que faltem mais pessoas interessadas e dispostas a pelo menos conhecer primeiro antes de se fecharem a praticar somente os clássicos, futbol, vôlei e basquete. Já fomos à várias escolas e falei com diretores e coordenadores na tentativa de poder apresentar o rugby, mas sem sucesso.  Já ouvimos muitos “não” e nem se quer conhecem o esporte. Espero que logo Castanhal e o Pará possam descobrir o potencial que o rugby tem a oferecer.


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