PRECISAMOS FALAR SOBRE O SUICÍDIO JUVENIL
“Estimativas recentes apontam evolução drástica na taxa de suicídio entre os jovens. O assunto ainda precisa da devida atenção de pais e responsáveis.”
O sucesso estrondoso da controvertida série 13 Reasons Why, lançada em 2017 pela Netflix, está bem longe de ser fruto de um golpe de sorte. Baseada num livro homônimo de Jay Asher, a série narra a história do jovem Clay Jensen (Dylan Minnette) que descobre fitas cassete gravadas por sua crush Hannah Baker (Katherine Langford), que se suicidara duas semanas antes. Nas fitas, a jovem apresenta as 13 razões pelas quais decidiu tirar a própria vida. A trama gira em torno da reprodução desses áudios e na dúvida angustiante: será que Clay estaria na lista? O drama tornou-se um sucesso imediato – a ponto de fazer com que a Netflix “esticasse” a história para mais uma (desnecessária) temporada. Isso porque, ao abordar um tema delicado, complexo e bastante atual como o suicídio juvenil, nunca antes o diálogo entre ficção e realidade foi tão perceptível.
Em 2013, uma estudante gaúcha de 16 anos suicidou-se depois que fotos íntimas suas foram divulgadas na internet. Meses mais tarde, outra garota de 17 anos, tirou a vida no Piauí pela mesma razão. A esses lamentáveis episódios, somam-se ainda centenas de outros casos que nem chegam aos luminares da mídia. Estudos recentes comprovam: o suicídio entre os jovens está em alta.
Entre 2000 e 2016, o número de suicídios no Brasil aumentou gradativamente: foi de 6.780 para 11.763, um salto de 73% nesse período. As maiores taxas de crescimento foram registradas entre jovens e idosos, segundo dados do Ministério da Saúde. Na faixa etária dos 15 aos 29 anos, a média aumenta em ritmo mais rápido que nos outros segmentos. São 5,6 mortes a cada 100 mil jovens (20% acima da média nacional).
Em âmbito mundial, o suicídio acomete mais de 800 mil pessoas e é a segunda causa de morte juvenil no planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) – a primeira delas ainda é a violência.
Um outro estudo da OMS, parte de um extenso programa de prevenção ao suicídio, ajuda a compreender a magnitude do fenômeno. O projeto inquiriu nove cidades dos cinco continentes e também passou pelo Brasil, em Campinas (SP). A pesquisa identificou que, ao longo da vida, 17% das pessoas já haviam cogitado seriamente a possibilidade de suicídio; 5% tinham chegado a elaborar um plano para o intento e 3% haviam efetivamente tentado se matar. De três pessoas que tentaram se suicidar, apenas uma conseguiu ser atendida num pronto-socorro.
Os “porquês” nem sempre aparentes
Ninguém precisa ter um diploma de psicologia pra perceber que os jovens são mais inclinados à impulsividade e ao imediatismo, características próprias de uma fase ainda um tanto aquém da plena maturidade emocional. São eles os que mais têm dificuldade em lidar com situações estressantes e frustrações – o que torna os pensamentos suicidas mais frequentes nessa população. Na maioria das vezes, são passageiros e não indicam uma necessidade de intervenção.
No entanto, quando os pensamentos dessa natureza acabam se tornando mais intensos e prolongados, o risco de um jovem chegar ao suicídio aumenta perigosamente, principalmente quando associado a um quadro de crise aguda. Os principais fatores que desencadeiam crises do tipo são a baixa autoestima, bullying, problemas de natureza sexual e reflexos da superproteção.
Saber diferenciar reações tidas como normais das que de fato são alertas de algum risco iminente é uma tarefa extremamente difícil. Em muitos casos, nem mesmo os próprios pais são capazes de os reconhecer e, quando o fazem, já é tarde demais.
Para a OMS, é possível prevenir 90% dos casos. E, diferente do que muitos pensam, discutir o problema é, sim, uma boa estratégia para combatê-lo. Com isso, os pais podem (e devem!) apostar na transparência e assertividade, falando com os filhos sobre o assunto. A escuta se constitui como ferramenta indispensável no cuidado para com o jovem que convive com pensamentos suicidas. O importante é sempre reafirmar a preocupação e o desejo de conversar e ajudar.
“O adolescente precisa ser acolhido, receber proteção e apoio, e não castigos”, explica, num artigo para a revista CLÁUDIA, Robert Gellert Paris, presidente do Centro de Valorização da Vida (CVV). “É preciso respeitar a dor do outro. Muitas vezes, podemos achar a motivação banal ou desimportante, mas cada um sente e se angustia com as coisas de forma particular”, pondera ele.
Apesar de inexistir um padrão comportamental definitivo para a identificação de um jovem inclinado ao suicídio, certos sinais são os mais recorrentes e dignos de serem levados a sério, como alterações na personalidade ou nos hábitos, afastamento dos familiares e amigos, comportamento deprimido, queda no rendimento escolar e comentários autodepreciativos e desesperançosos com relação ao futuro, além de um profundo interesse sobre a morte e pessoas próximas já falecidas.
Sinais de automutilação também não devem ser descartados. Apesar de terem baixa letalidade, cortes superficiais na pele podem significar a ocorrência de investidas mais sérias no futuro.
Para que essa grave problemática do suicídio juvenil seja devidamente contornada, é preciso, antes de tudo, que o assunto deixe de ser um tabu dentro dos lares e das instituições de ensino. A iniciativa do Setembro Amarelo, o mês agora dedicado à prevenção do suicídio, é um mecanismo abrangente de conscientização, mas ainda não é o suficiente. A melhor prevenção ainda está no devido acompanhamento de familiares e amigos. Para muitos jovens suicidas, sempre existe a chance de uma vida longa e próspera, de um happy end. Só abraçando essa certeza é que um dia se poderá assistir 13 Reasons Why como uma obra de ficção – e somente isso.
Por: Carlos Eduardo
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